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Conhecimento

História da
Construção Naval

By 28 de Janeiro, 2024Abril 29th, 2024No Comments

História da construção naval de madeira: em defesa de um saber secular

Na história da construção naval em Portugal, em particular a de madeira, Vila do Conde tem um papel fundamental. Dos seus estaleiros saiu parte da frota da expansão marítima nos séculos XV e XVI. Defender o inestimável saber acumulado ao longo de séculos e dá-lo ao futuro é a missão do CdAN – Centro de Artes Náuticas.

Não é por acaso que a réplica da Nau Quinhentista está fundeada no rio Ave, junto ao Cais da Alfândega: aqui se situavam os estaleiros navais que tornaram Vila do Conde um dos maiores construtores navais do reino na era dos Descobrimentos. E se, passado meio milénio, foi possível replicar uma nau é porque o saber-fazer ainda faz parte do ADN desta terra.

Tão forte indústria naval não despontou do nada. Presume-se que date dos séculos XI e XII a criação dos primeiros estaleiros no concelho. Recuando mais no tempo, temos do ano 935 o primeiro registo escrito com menção à existência, em Vila do Conde, de salinas e pesqueiras – apesar de não ser referida a construção de barcos, é descabido imaginar sem ela as atividades de mar.

No século XIII, aumentou a dinâmica construtiva e portuária. No entanto, foi a partir do século XV e sobretudo no século XVI que a construção de barcos de madeira em Vila do Conde teve um crescimento exponencial. Sobre a participação na expansão marítima do país e consequente atividade comercial, há consideráveis registos, reunidos no Centro de Documentação dos Portos Marítimos Quinhentistas (CEDOPORMAR), integrado na Alfândega Régia – Museu de Construção Naval, um dos polos do CdAN.

O “boom” da indústria naval de madeira no século XVI

Em 1568, quase 60% da população vila-condense estava envolvida no transporte e comércio marítimo, na construção naval e nas indústrias associadas, como o fabrico de velas e a cordoaria. Sobre o intenso labor nos estaleiros, vejamos esta passagem da tese de doutoramento “Vila do Conde – Um porto nortenho na expansão ultramarina quinhentista”, da investigadora Amélia Polónia:

“A importância que desde cedo teria adquirido o grupo de calafates e carpinteiros da ribeira de Vila do Conde é desde logo sugerida pela atribuição de cartas de privilégio datadas dos finais do século XV, as quais consubstanciam, afinal, o reconhecimento régio da projeção desses homens, não só no contexto local, mas em todo o reino.”

Destes estaleiros saíram a maior parte dos barcos para o norte de África e América. Nas ligações comerciais, o entreposto e a frota locais foram determinantes nas rotas de passagem pelas ilhas (Madeira, Açores e Canárias), por S. Tomé e Costa de África, e na ligação a Flandres.

Esta importância diminuiu significativamente no fim do século XVI e inícios do século XVII. Com o aumento das viagens para Oriente, o poder régio resolveu aumentar a dimensão das embarcações, o que impediu a sua construção em Vila do Conde. Não dispensou, contudo, a mestria dos seus carpinteiros e calafates, que foram requisitados para trabalhar em Lisboa e no Porto, o que diminuiu bastante a capacidade produtiva dos estaleiros locais.

A construção naval local prosseguiu a um ritmo menos intenso. No século XX, a atividade foi regular, com exceção do período da Segunda Grande Guerra Mundial – nesta altura, estima-se que tenham sido construídos em Vila do Conde mais de mil barcos, na maioria de pesca.

Um passado com futuro

Os barcos portugueses que, nos séculos XV e XVI, transformaram a ideia de mundo resultaram da associação de técnicas construtivas mediterrânicas e nórdicas.

Terá sido no século XVI que se começou a utilizar o processo da sala do risco, pelo qual se estabelece um plano geométrico, à escala real, das várias peças constituintes da estrutura de um barco. Este método mais científico aumentou a capacidade produtiva, dando vantagem competitiva à indústria naval portuguesa. Tornou-se de tal modo importante que era transmitido apenas a pessoas de confiança, responsáveis pela conceção do projeto do barco. Foi um segredo bem guardado, mas chegou aos nossos dias.

No “Livro da Fábrica das Naus”, manuscrito do Padre Fernando Oliveira (século XVI), é descrita a sala do risco. O facto de esta obra ter sido publicada pela primeira vez só em 1898 mostra que importantes conhecimentos técnicos foram sendo passados de geração em geração por mestres construtores e adotados, empiricamente.

Atualmente, os estaleiros navais de Vila do Conde situam-se na margem esquerda do rio Ave, na Azurara. São os maiores em Portugal dedicados à construção e reparação de barcos de madeira e um dos maiores da Europa. Neles se pode testemunhar a utilização de materiais e técnicas seculares na construção de barcos de pesca e de réplicas de embarcações antigas.

O concelho é, pois, o guardião da história da construção naval de madeira. Preservá-la impõe formar novas gerações, assegurar que não se perde o saber-fazer herdado e transmitir, a quem visita Vila do Conde, o valor desta arte na cidade. Ora a missão do CdAN passa por aqui.

Mais do que “congelar” memórias, o Centro de Artes Náuticas existe para estimular a sua vivência ativa, e por novos rumos (re)afirmar uma identidade forte que merece ter futuro.