Há termos da construção naval de madeira cuja origem se perde no tempo. São parte da cultural imaterial de Vila do Conde. Pescámos alguns do vasto e curioso glossário associado a esta arte antiga, passado de geração em geração. Quem os conhece?
Esta é uma pequena seleção dos muitos termos que fazem parte da nossa cultura naval e marítima. Preservar um vocabulário tão especial faz parte dos propósitos do CdAN. Onde há um saber-fazer, há palavras e “dizeres” que não queremos perder.
Há risco? Onde?
Um barco de madeira não nasce de uma penada. Para o projetar, como deve ser, há que riscar, num espaço próprio. Assim é há muito tempo, remontando pelo menos ao século XVIII. Anteriormente a este período, os artificies recorriam ao graminho, um método geométrico, descrito no século XVI, no “Livro da Fábrica das Naus”, do padre Fernando Oliveira.
Sala do risco – nome do espaço onde se desenha, à escala real, o plano geométrico do barco, com vista à execução de todas as fôrmas necessárias ao corte das peças de madeira. O “risco” é o trabalho realizado neste espaço, que pode bem ser uma “casa do risco”, ou seja, uma área com as dimensões necessárias para desenhar o barco à escala real.
Obra de gabarito… e petipé?
Que as embarcações de madeira de Vila do Conde são de alto gabarito, já sabemos, mas aqui o termo tem outro significado. E atrás de um vocábulo vem outro…
Gabarito ou grade (ou fôrmas de galivar) – espécie de grade de madeira para onde é passada toda a esquadria do risco das cavernas e demais elementos para galivar o cavername.
Galivar – desenhar com as fôrmas o cavername (o liame).
Cavernas ou balizas – peças de madeira que formam a totalidade de cada arco transversal do esqueleto do barco. O conjunto chama-se cavername.
Porque esta é uma arte mui antiga, não deixamos de fora um instrumento de medição e precisão, de termo delicado, usado pelo menos desde o século XVII:
Petipé – escala gráfica usada na execução e leitura dos desenhos de construção naval.
Para haver couces na água, há burras, bacalhaus e cachorros
Dizem os dicionários atuais que “couce” é o mesmo que coice, o que nada tem a ver com o que aqui trazemos – nem quanto aos couces nem quanto aos bichos…
Couce de proa – conjunto de todas as peças compactas de madeira, na ligação da quilha com a roda de proa do barco, na extremidade de vante da quilha.
Couce de popa – conjunto de todas as peças compactas da popa, na ligação da quilha com o cadaste.
Arre-burras ou lavassa (ou arri-burras) – tábuas longitudinais que se acrescentam sobre a borda das pequenas embarcações para lhes dar mais altura e, assim, impedir que a batida das ondas entre para o barco.
Bacalhau ou lavassa – pedaço de madeira usado para substituir parte de uma tábua que apodreceu ou partiu.
Cachorros – paus de 10 metros ou mais, com cerca de 30cm de largura que são colocados sobre os paus-de-sebo (carreira de lançamento do barco à água). Todo o conjunto é “acunhado” contra o bojo do casco, ficando o casco pousado sobre os cachorros.
Honra seja feita ao calafate!
Sem ele, o barco metia água. Na construção naval de madeira, a fama destes profissionais de Vila do Conde vem de longe. Tão importantes como os carpinteiros, os calafates da região eram já reconhecidos pelo Reino português no século XV. Quem é ele, o que faz e o que usa?
Calafate – especialista no ofício de calafetar. No estaleiro, é também o calafate que trata do cavilhame (cavilhas que unem peças) de maiores dimensões.
Calafeto – cordão de algodão e estopa de linho alcatroada, para introduzir nas juntas das tábuas para vedação.
Estopa de linho alcatroada – também usada para calafetar, é feita de tomento de linho e banhada em alcatrão vegetal. É fiada pelo calafate.
Desencalcador – ferro do calafate em forma de gancho, usado para tirar o breu das juntas.
Maújo – ferro do calafate, em forma de gancho, para retirar o calafeto das costuras mais profundas.
Macete de calafate – Espécie de martelo de madeira próprio para trabalhar com os ferros de calafetar na introdução da estopa.
Ferros de calafetar – Pequenos ferros usados na calafetagem, servindo juntamente com o macete de calafate para a introdução da estopa nas juntas das tábuas.
A propósito, escuro ou seguro como breu?
Depois do calafate, assenta bem a menção ao breu. Escuro ou louro, é utilizado nas vedações.
Breu – substância betuminosa obtida por destilação de resinas. Aquecido, torna-se líquido, sendo utilizado para garantir a vedação do barco. Nas embarcações pequenas, é aplicado pelo interior nas costuras. Juntando-se ao breu derretido um pouco de óleo, dá-se uma substância macia, que se agarra melhor e não parte. Com o breu louro faz-se um bom verniz artesanal.
E quando as coisas não correm à feição?
O trabalho está “empachado” – dificuldade em continuá-lo, por algum motivo.
Ficamos “enchapados” em trabalho – ter trabalho a mais.
Acabámos de “matar uma peça” – estragar a peça que estava a ser trabalhada.